sábado, 7 de maio de 2016

Quando o Barão de Forrester encontrou David Ricardo - Sobre o Túnel e as Vantagens Comparativas





Paulo Reis Mourão
(Professor do Departamento de Economia da Universidade do Minho)

O Túnel do Marão foi inaugurado. Este facto merece, a meu ver, dois pontos de reflexão – um de reflexão graciosa; outro de reflexão mais densa.

Em primeiro lugar, as alvíssaras. Uma obra desta envergadura (aproximadamente, 400 milhões de euros com um quarto de financiamento comunitário) é acima de tudo uma vitória de três grupos de agentes. Em primeiro lugar, a classe política da região. Na realidade, conseguir colocar este investimento em planeamento, desenvolvimento, desbloqueio e conclusão é o resultado de muitos agentes políticos, de diversos quadrantes partidários, desde autarcas da região até incumbentes em São Bento que conseguiram demonstrar o interesse para Portugal de uma obra deste tamanho. Só os inocentes que nunca saíram da região ou os imaturos politicamente que nunca sentiram o preconceito político e territorial minimizam o esforço – tantas vezes, invisível – que permitiu vencer os bloqueios associados a levar a bom porto este investimento – isto é, um valor acrescentado de utilidade de médio e longo prazo estimado em mil euros por transmontano. Em segundo lugar, é a vitória de ‘doers’, isto é, agentes negociadores, geralmente avençados, que intermedeiam as conversações entre a classe política, a classe construtora e engenheira, e, finalmente, a classe dos financiadores. Portanto, o Túnel do Marão mostra que os ‘doers’ também gostam das regiões que alguns catalogam de “Deprimidas”. Em terceiro lugar, o Túnel é a grande vitória do setor que mais cresceu na economia transmontana e alto-duriense nos últimos 20 anos – o setor do Turismo. Foi este setor, também, o grande ‘lobby’ desbloqueador e pressionante deste processo, cujos primeiros sonhos começaram na década de 1950 e têm um interlúdio hoje.

Agora, a reflexão que, depois da festa, todos vamos ter de fazer. Quando, há quase um quarto de século, o IP4 se tornou transitável, a Comunicação Social, então e mais uma vez, retomou os chavões que trinta anos antes usara para a Nacional 15 ou que cem anos atrás usara para a transformação do Cachão da Valeira: eis que a interioridade de Trás-os-Montes se vai perder... É de sorrir, pois esta verdade não é tão agradável como pareça para o investidor transmontano! As minhas viagens (tantas vezes diárias para e de Braga e/ou Porto) ficarão mais curtas. Mas o que vai acontecer é a observância de uma velha lei da Economia dos Transportes: "A redução dos custos de transporte aumenta a atratividade de um pólo em detrimento do outro extremo." Adivinhem qual o pólo que em 150 anos aumentou de atratividade com os cachões desbravados. Adivinhem qual o pólo que aumentará de atratividade com o famoso Túnel do Marão. A construção civil de Amarante "para baixo" esfrega as mãos de contente! Vários jornalistas, amigos, economistas e políticos me têm auscultado sobre o assunto de há meio ano a esta parte. A todos respondo – quem quiser apostar, agora, em Trás-os-Montes, faça-o no Turismo! A população litoralizada – a tal que, repleta de preconceitos – sobretudo a classe média da faixa litoral – tinha pavor às curvas do Marão, ao subdesenvolvimento do Planalto, à rudeza das gentes tantas vezes alvo do anedotário particular que irritava Camilo, Junqueiro, ou Torga – poderá melhor vencer as suas fobias, consumir um covilhete, ver as vindimas, fazer um cruzeiro no Douro. Virão mais facilmente à Queima das Fitas dos filhos que, como soldados colocados em zona de guerra, ficaram colocados nas instituições de Ensino Superior da região. E poderão esses perceber como o mundo é bem maior quando olhamos para o melhor do nosso país. No entanto, como a História nos mostrou em 150 anos, desbravar cachões sem um programa intenso de diferenciação positiva do interior, gerador de emprego, de oportunidades e sobretudo sem uma mudança de mentalidade, levará, ano após ano, a maiores êxodos da região assim aberta. Há 150 anos atrás, David Ricardo revolucionou o pensamento económico ao demonstrar os ganhos mútuos das vantagens comparativas para Portugal e para Inglaterra derivados de Methuen. Ambos os países se especializaram, reduziram custos de produção e de transporte, e passaram a ter acesso a vinhos melhores e mais baratos, e a sarapilheiras melhores e mais baratas. Como agora sabemos, David Ricardo, um testa-de-ferro dos bancários da altura, esqueceu-se de referir que a definição dos preços relativos favorece sempre mais uns do que outros. Assim, as vantagens comparativas da abertura do nosso Túnel dependerão muito de como soubermos captar benefícios, de como soubermos reter a saída da mão-de-obra, de como soubermos bem tratar os jovens. Caso contrário, a região será cada vez mais paisagem e cada vez menos humana.

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