segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Cauções dos calções



Havia uma tradição muito antiga que pesava sobre os funcionários das Tesourarias Públicas – a de, ao assumirem funções, o referido funcionário depositar um valor (a ‘caução’) que seria perdido ou diminuído em caso de dolo causado ao erário público, ainda que involuntário ou por negligência. No final de uma carreira, como prémio devido a todos aqueles que não tinham lesado as contas do Estado, a caução era devolvida.

Esta tradição, pouco a pouco transformada na generalidade das economias modernas por sistemas mais ágeis e menos capitais, tinha toda a razão de ser. Gerava-se um incentivo muito importante para se tratar os números com respeito, sem leviandade, com uma seriedade inspirada no sentido transcendental da “Palavra”, tão bem compreendido pelas gentes do mundo rural que tantos contratos faziam “ de palavra”. Palavra que era respeitada, ainda que não fosse escrita. Em contrapartida, o mentiroso caia na infâmia de uma loucura apontada pela sociedade envolvente, não raras vezes tendo que sair do sítio para continuar a viver.

Rio muito quando ouço debates sobre o Orçamento do Estado. Tendo defendido quer o Mestrado quer o Doutoramento em Política Económica é raro – a minha família pode atestar – que não haja programa mais divertido durante o ano, para mim, do que ouvir engenheiros, advogados, outros licenciados e outros graduados falarem de cór sobre as Contas do Estado, ecoando palavras mal unidas que ouviram nos corredores ou que leram na diagonal dos relatórios oficiais. Em contrapartida, entristece-me ouvir economistas, alguns com Doutoramento em Economia, dizerem tantos disparates sobre Política Económica, tentando fazer o jogo dos comentadores que, patrocinados por grupos económicos e lóbis partidários, não enganam ninguém.

Por isso, já há vários anos, que, num Congresso em Londres, onde eu participava, surgiu a possibilidade de os Ministros, os Secretários de Estado e os deputados fazerem uma caução ao entrarem em funções, que veriam diminuída na proporção do falhanço das previsões do défice do Estado ou do peso da dívida pública. Assim, se um Ministro declarasse “o défice vai ser de 3% do PIB” e o défice fosse atestado pela metodologia da OCDE, após a aprovação da Conta Geral do Estado, em 2.8%, o referido Ministro (mais todos os subscritores) veriam as respetivas contas caucionadas diminuídas em 0.2 pontos percentuais. Em contrapartida, se a oposição sugerisse “O défice ficará nos 3.5%” e o referido ficasse nos 2.8%, então todos os deputados dessa oposição veriam o valor em depósito previdente (o sentido de ‘caução’) diminuído em 0.7 pontos percentuais. Simples! Evitar-se-ia tanta astrologia onde deveria imperar o Método, o Rigor, a sinalização de confiança/responsabilidade e evitar-se-ia a demagogia. A Política sairia mais nobre, mais séria, mais exata.

O mesmo princípio seria aplicado na discussão dos Orçamentos anuais de todas as figuras públicas, desde a Presidência da República até às Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia. Sairiam reforçados os Auditores externos (tantas vezes politizados) bem como as figuras dos Contabilistas e dos Revisores Oficias de Contas. Regras claras, números transparentes! Ou será que 2 e 2 só são 22 para receber e 4 para pagar?


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