domingo, 13 de fevereiro de 2022

As secas no futebol distrital

 


 

Paulo Reis Mourão

(Professor de Economia da Universidade do Minho)

 

Decorreram até à data 19 das 34 jornadas do campeonato distrital da AF Vila Real. Nesta fase em que já se dobrou o meio, o que verificamos? Verificamos que duas em cada três das equipas cimeiras jogam em casa a norte de Vila Pouca de Aguiar. Cinco das últimas seis jogam a sul de Vila Pouca de Aguiar. Haverá algum destino fatídico para a jusante do Corgo a competição ter este desempenho? Haverá algum talismã no Alto Tâmega para este fenómeno? Vamos refletir hoje sobre a questão.

Em primeiro lugar, o futebol amador ou semi-profissional é importante! Ainda é a escola de craques que, anos depois, descobrimos a jogar nos maiores clubes nacionais e internacionais. Ainda é aquele espaço de encontro entre vizinhos. Ainda é aquele momento de comentário espontâneo longe do snobismo televisivo, da gíria painelista das televisões e com o sotaque único que só os apaixonados adeptos encontram repetido quando ouvem as rádios locais por esse domingo à tarde (aliás, os estudiosos encontram facilmente a belíssima geografia de sotaques sobreviventes no retângulo português se fizerem zapping pelo computador nos sites das rádios locais, por exemplo em https://radioonline.com.pt/ , num domingo à tarde). O futebol amador ou semi-profissional vive com esforço mas, no geral, sabe viver. A menos que alguém tenha feito as contas às custas de outros, os clubes, com os apoios da comunidade, com os apoios municipais e com outras receitas próprias, vão conseguindo subsistir e cumprir. Portanto, se tanto existem clubes sobreviventes a norte como a sul do distrito, não poderemos dizer que no Barroso há melhores gestores desportivos do que na bacia duriense. Também no Barroso não devem sofrer mais pela bola do que os do Sul do distrito. Finalmente, não devem ter muitos mais jovens talentosos, mães-dolores sofredoras, ou melhores sapatarias com chuteiras com ar condicionado do que os das encostas durienses.

Então, porquê esta concentração? Quando o sol nasce, nasce para todos, e os seus raios caem aleatoriamente tanto no Maria de Lurdes do Amaral como no Municipal da Lage. Ou na Feira Velha em Sabrosa como no Seixo de Murça. Mas, quando o sol se põe, uns ficaram com mais Vitamina D do que outros. Portanto, também a geografia e o pai solar equitativo não podem ser responsabilizados pela diferença de pontos conseguidos ou de golos marcados.

É então que entra um dos conceitos mais importantes para a civilização económica – o excedente, isto é, o capital. Onde há excedente, pode haver troca. Onde há troca, há comunicação. Onde há comunicação, há desenvolvimento. No Barroso, com os excedentes dos plantéis dos clubes como o GD Chaves ou o Montalegre, criam-se pressões nos clubes envolventes que motivam mais os jogadores, que elevam os resultados e que alimentam os desequilíbrios que se vão notando. Quantos destes clubes raianos são Chaves B, ou Montalegre B, ou outros B? E quantos dos nosso clubes durienses são, no fundo, anti-Bila, anti-Régua ou anti-qualquer coisa? E eventualmente até são sobretudo anti-alguém no Bila, anti-alguém no Régua, e anti-algum vizinho que me ficou com aquela galinha poedeira?

Quando as coisas se fazem por valor, por vontade, por bem-querer, independentemente de serem em grande ou em pequeno, aparecem bem feitas e dão bons frutos – sejam eles grandes como um calondro ou pequeninos como uma amora silvestre. Quando as coisas se fazem contra algo, contra alguém, com rancor ou com azedume, o que fica? Terra árida, seca, a suspirar pela água a montante.

sábado, 15 de janeiro de 2022

Para onde correm os rios da regionalização?

 

 


 


A expressão “follow the money” já há muito deixou de ser reserva do dramaturgo William Goldman e caiu no uso comum. Sigam o dinheiro e percebe-se a cadeia de valor associada. Em última análise, ‘nature shows off’ e quem ficar por cima no final da história foi quem fez as melhores jogadas.

Assim, quando muitos voltam a querer discutir a regionalização, muitos outros, que a têm discutido há décadas, se interrogam do estado atual a que o debate (não) chegou e, sem espanto, percebem que ao longo deste processo uns ganharam muito enquanto outros, sabendo-o ou não, perdem e continuam a perder.

Vários colegas – alguns da Galiza – conhecedores da nossa História perguntam como um Estado que nasceu pelos ideais de descentralização, em Dume com os concílios convocados pelo Bispo Martinho de Dume e assistidos pelos homens que mais tarde configurariam o condado portucalense, continua a ser um Estado centralista. O próprio Afonso Henriques deu voz e corpo às intenções descentralizadoras que os homens portucalenses vinham assumindo há muitos anos. Até que com os Séculos XVII e XVIII, repressões como as inquisições junto dos judeus transmontanos e beirões ou a Devassa Pombalina em meados de 1770 no Douro assumiram com assinatura sangrenta a vitória do centralismo-absolutista.

Aqui chegados, muitos perguntam – e não houve reação dos netos desses infanções do condado? Curiosamente, o que se passou foi digno de estudo ainda atual. O constitucionalismo do século XIX saltou – ainda não sei hoje se inocentemente se ardilmente – do monarca absolutista para o cacique local, para o líder municipal. Assim, fez-se uma regionalização como um Bacalhau à Brás – desfiado e com os tubérculos laminados. Perdeu-se a escala intermédia, o poder da região que, noutros espaços europeus foi vital para o capitalismo industrial e para a geração de grupos económicos fortes de empresários de dimensão regional. Por cá, o capitalismo bipolar levava às concentrações de riqueza e poder ostentadas em São Carlos ou aforradas nas arcas dos herdeiros dos morgados. Emigrou o povo para o Brasil e com muito dele a capacidade de criticar o municipalismo vendido como regionalismo nacional.

Portanto, quem tem ganho mais com o estado-das-coisas? “Follow the Money” e perceberão o porquê de se contentar com debates enviesados as rendas que outros recebem.

domingo, 19 de dezembro de 2021

Do Natal e das Consciências

 

Um político faz sempre tudo o que pode, sabe e quer em favor do seu semelhante. Se não o consegue é porque pelo menos uma das premissas não o assiste: ou não pode, ou não sabe ou não quer.

Vamos ver o que acontece em cada uma destas falhas.

Se não pode, é um político impotente. Pode não sê-lo por culpa própria – muitas vezes é-o porque a pressão a que o desempenho o obriga não o deixa com potência para fazer o que deve. Noutras vezes, há restrições orçamentais, legais e constitucionais que o impedem de poder.

Se não sabe, é normal. Desconhecer é normal no ser humano mas não procurar saber é pouco humano pois até mesmo os animais procuram acumular experiência e conhecimento. O saber procura-se junto das fontes de conhecimento e junto de pessoas que saibam; procurar no google, no wikipedia ou nos perfis falsos pode ser tão prejudicial como procurar o pré-conceito que é procurar o conhecimento enviesadamente dirigido.

Se não quer, é malicioso. Todo o cidadão deve procurar o bem do próximo. Se não quer o bem do próximo, é malicioso (se quer o mal do próximo, é maldoso, mas duvido muito que haja políticos maldosos à minha beira).

Regressemos assim à máxima originária do argumento: Um político faz sempre tudo o que pode, sabe e quer em favor do seu semelhante. Haverá casos de políticos que nem sempre o fazem? Há, infelizmente. Como se percebe então que o agente político poderia ter feito e por omissão não o fez?

Aqui, teremos de recuar a Cícero que comentava que a consciência do homem da República só é proporcional à satisfação da plebe quando a plebe não comete asneiras ou crimes. Ele sorri se a plebe inocente sorri. Mas ele não sorri se a plebe maldosa sorri. Se a plebe fez asneiras e anda satisfeita e o homem da República satisfeito anda, das duas uma – ou deixou de procurar o bem da mesma ou compactua com os que cometem atos de perturbação, de vandalismo, de desgaste ou de congestionamento das liberdades individuais.

Mas Cícero viveu antes do Natal de Belém e portanto não ouviria Benjam Franklin profetizar que uma boa consciência vive sempre nessa noite em que os mais simples perceberam tudo primeiro.

Boas Festas e Feliz Ano Novo!