domingo, 19 de dezembro de 2021

Do Natal e das Consciências

 

Um político faz sempre tudo o que pode, sabe e quer em favor do seu semelhante. Se não o consegue é porque pelo menos uma das premissas não o assiste: ou não pode, ou não sabe ou não quer.

Vamos ver o que acontece em cada uma destas falhas.

Se não pode, é um político impotente. Pode não sê-lo por culpa própria – muitas vezes é-o porque a pressão a que o desempenho o obriga não o deixa com potência para fazer o que deve. Noutras vezes, há restrições orçamentais, legais e constitucionais que o impedem de poder.

Se não sabe, é normal. Desconhecer é normal no ser humano mas não procurar saber é pouco humano pois até mesmo os animais procuram acumular experiência e conhecimento. O saber procura-se junto das fontes de conhecimento e junto de pessoas que saibam; procurar no google, no wikipedia ou nos perfis falsos pode ser tão prejudicial como procurar o pré-conceito que é procurar o conhecimento enviesadamente dirigido.

Se não quer, é malicioso. Todo o cidadão deve procurar o bem do próximo. Se não quer o bem do próximo, é malicioso (se quer o mal do próximo, é maldoso, mas duvido muito que haja políticos maldosos à minha beira).

Regressemos assim à máxima originária do argumento: Um político faz sempre tudo o que pode, sabe e quer em favor do seu semelhante. Haverá casos de políticos que nem sempre o fazem? Há, infelizmente. Como se percebe então que o agente político poderia ter feito e por omissão não o fez?

Aqui, teremos de recuar a Cícero que comentava que a consciência do homem da República só é proporcional à satisfação da plebe quando a plebe não comete asneiras ou crimes. Ele sorri se a plebe inocente sorri. Mas ele não sorri se a plebe maldosa sorri. Se a plebe fez asneiras e anda satisfeita e o homem da República satisfeito anda, das duas uma – ou deixou de procurar o bem da mesma ou compactua com os que cometem atos de perturbação, de vandalismo, de desgaste ou de congestionamento das liberdades individuais.

Mas Cícero viveu antes do Natal de Belém e portanto não ouviria Benjam Franklin profetizar que uma boa consciência vive sempre nessa noite em que os mais simples perceberam tudo primeiro.

Boas Festas e Feliz Ano Novo!


segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

A lei de Gresham e as flores de estufa

 

A lei de Gresham explica que perdemos a boa moeda e ficamos geralmente com a má. Perdemos bons trabalhadores, que migram para outro lado, e ficamos com os menos bons. Perdemos bons vereadores, que vão para a vida deles, e ficamos com os mais subservientes. Perdemos bons Técnicos Superiores, que aproveitando regimes de mobilidade vão para outros lugares da Administração Central e Local, e ficamos com os biscateiros. Perdemos bons investigadores, que vão trabalhar para outras universidades, e ficamos com os possíveis. Perdemos bons treinadores, que vão cumprir e bem noutros campeonatos, e contentamo-nos com os mais desatualizados. No fundo, a prazo, perdemos em troca do contentamento medíocre com o presente.

 

Estufas em Vila Real - OLX Portugal

A lei de Gresham é racional? É. Quando? Em duas situações principais.

Na primeira, quando esperamos que a troca, aparentemente desvantajosa agora, seja vantajosa no futuro. Guardar as notas de 50 e pagar com as de 5 dá-nos uma sensação de riqueza guardada (mas não exibida). Mandar embora os melhores colaboradores de uma empresa, de um executivo municipal ou de uma escola pode ajudar no desenvolvimento do território se eles, ganhando mais pelo bom trabalho que fazem fora, mandarem receitas, bem-estar e progresso para a terra pelo Natal. Perder o Cristiano Ronaldo para o Manchester United há 20 anos foi bom para a projeção do mesmo e para a projeção do futebol português. Mandar um bom investigador para um laboratório na Suíça onde poderá descobrir a cura de uma febre que afeta as cabras do local de origem ajudará na pecuária decerto.

Na segunda, quando as economias são protegidas – por conceitos monetários, administrativos, estéticos ou como se dizia em silvicultura, quando são ‘viveiros’. Quando visitamos um viveiro, vemos lá pés de laranjeira e não vemos laranjeiras, vemos pés de pereiras e não vemos pereiras, vemos pés de roseiras e não vemos roseiras, vemos bolbos e não vemos lírios ou tulipas. Quando visitamos as economias-viveiros, vemos ‘funcionário sensíveis’ que muito se melindram mesmo que quando pouco criticados, vemos ‘vereadores melindrosos’ que pouco confiam e muito perseguem, vemos ‘pés de projetos’, mas não vemos obra feita. No fundo, vemos um ambiente de estufa, que cheira muito a estufado, mas na hora do apresigo poucos comem à mesa e muitos menos medram na natureza.

Mas como, na dita natureza, nada se perde, tudo se transforma, sobra o Natal para os de fora visitarem os estufados e trocarem saudade pela distância. Porque, mesmo nos viveiros, as flores conseguem despontar.

 

Sobre as infindáveis filas de trânsito

 

Ninguém gosta de filas de espera! Seja no talho, nos correios, ou no trânsito. Quando conseguimos antecipar a espera, preparamo-nos para ela – levamos um livro, jogamos no telemóvel, organizamos fotos no telemóvel, olhamos para o telemóvel. Quando não conseguimos antecipar a espera, ficamos retidos nas denominadas ‘filas de espera’.

As filas de espera – inclusive nos hospitais, as piores de todas – são um problema sério. Causam ansiedade nas pessoas envolvidas, ativamente na fila e passivamente nos outros que por nós esperam. Acumula-se ansiedade, mal-estar, raramente se reza. Polui-se o ambiente com gases tóxicos e com pensamentos em português vernáculo. Agora, num ou outro ponto, já somos interpelados, quando estamos em filas de espera, por malabaristas, fundraisers (cidadãos ‘pedintes’ para causas públicas) e, se estiverem numa fila de trânsito em São Paulo, por uma multidão de ofertas e de ofertantes.

As filas de espera são também um problema académico, sobretudo na unidade curricular de Investigação Operacional. E os colegas de IO têm muitas soluções para as filas de espera. Programam o problema, estudam-no e resolvem-no. Três passos que bastam para resolver muitos destes e doutros problemas: defini-lo, estudá-lo e resolvê-lo.

A Ética Académica impede-nos de entrar no gabinete de um Vereador responsável pelo trânsito de uma cidade e de lhe mostrar por a+b como se resolve o problema. Os académicos são bons cidadãos, em 99.99% dos casos. Sentem os problemas deles e dos outros. Por vezes, depois de chegarem a casa frustrados com quinhentas filas de espera que os impediram de brincar 5 minutos com os filhos, de visitar os pais durante 5 minutos, de falar sem televisão com as pessoas que com eles compartilham a casa, inclusive de fazer uma festa num animal de estimação, descansam e sentam-se. Aí, todos os que conhecem os académicos já sabem que algo de muito importante está prestes a acontecer. Existe uma transfiguração. E os filhos, os pais, os companheiros e até os animais de estimação sabem – os académicos estão a estudar um problema. Definem-no, limitando-o, esvaziando dele a raiva que sentem pelas 500 filas de espera que reduziram a sua vida normal a trânsito, gases de efeito estufa, más caras e maus modos. Estudam-no, simulando métodos, incluindo variáveis de controlo, testando soluções, rasgando folhas escritas com soluções tentadas e não solventes da questão. Por fim, já os filhos, os pais, os companheiros e os animais de estimação dormem, os académicos sorriem. Conseguiram resolver o problema.

Vocês pensam que eles, no dia seguinte, vão a correr, exuberantes, para o gabinete do vereador responsável pelo trânsito de uma cidade para lhe mostrar por a+b como se resolve o problema? Não, por três motivos principais. Primeiro, os académicos não são petulantes – tratam bem os números, as noções e as outras pessoas. Se vocês conhecerem académicos petulantes, conhecem uma bizarria: porque um petulante nunca pode ser um académico e um académico jamais deve ser petulante. Segundo motivo – os académicos sabem que só vale a pena mostrar soluções a quem reconhece o problema e sobretudo a quem sabe que o problema existe e que é um problema. Portanto, os académicos muitas vezes esperam séculos, já feitos cinzas enquanto as suas palavras ficam vivas nos livros, pelo reconhecimento do problema quando eles tinham a solução séculos antes. Terceiro motivo – os académicos sabem que não se deve roubar o trabalho dos outros. Nomeadamente, o trabalho de quem tem a obrigação de zelar pela fluidez do trânsito, de reduzir as filas de espera e de fazer com as cidades avancem. Obviamente, até podem ajudar os tais da obrigação a resolver o problema. Bastaria um ajuste direto ao respetivo centro de investigação.