quinta-feira, 31 de maio de 2018

O que escondem as entrelinhas


Desde cedo, a imprensa fascinou. Ainda que assente na efemeridade das notícias ou na contingência das crónicas, a leitura, debate e por vezes recorte e arquivo de artigos faziam parte do meu ambiente familiar – sobretudo com o meu Saudoso Pai – em redor de títulos como “A Voz de Trás-os-Montes”, “O Primeiro de Janeiro”, “O Comércio do Porto”, o JN ou o DN. Outros amigos saudosos, como o Senhor Macedo (na Pedro de Menezes) ou o Senhor Amândio Machado (na Santa Sofia) eram autênticos colecionadores de exemplares diários e leitores apaixonados de todas as linhas. Alguns dos anteriores títulos, como sabido pelos meus leitores, são títulos extintos mas que cumpriram para o areópago de ideias, o fomento de ideais, e a reflexão sobre as gentes e o espaços para muitos de nós.
A possibilidade de uma atenção maior da minha parte veio com o “Diário de Notícias Jovem”, suplemento semanal onde leitores/autores partilhavam crónicas e textos no Diário de Notícias sob a batuta do amigo (Comendador, agora) Manuel Dias. Nesse espaço – onde ‘nasceram para o público’ outros nomes como o Zé Luís Peixoto, o Pedro Mexia, o Alexandre Andrade, o José Mário Silva e tantos outros – geravam-se estímulos, críticas, leituras e desinterpretações que, sem dúvida, amadureceram muitos de nós nos vários caminhos percorridos posteriormente.
Mas ainda hoje, tendo a imprensa evoluído do suporte de papel para o digital (desde o ecrã dos computadores até à palma da mão que espreita o iphone) a imprensa continua o seu papel. Partilham-se notícias querendo destacar algo que vai para lá do Gosto. Comenta-se (por vezes com Comentários mais longos que a própria notícia). Atira-se com um emoji quando outras reações se impõem. No fundo, ao contrário do que parecia advogar-se há 10 anos, hoje a imprensa é muito mais reativa e palco de partilha de emoções do que poderíamos todos prever. Os “títulos” desenham inquéritos a toda a hora, há coleta de dados formalmente (e informalmente, o que tem levado as várias estâncias comunitárias a uma reflexão que há muito se vinha impondo), e escolhe-se o ordenamento das ‘notícias’ de modo a captar públicos vários e atenções várias dependendo da hora do dia, do leitor em causa, das páginas que ele e ela visitaram anteriormente.
Dentro desta avalanche de transformações (onde devemos salientar -infelizmente - a ultrapassagem e/ou despedimento de muitos profissionais excelentes), queria hoje chamar a atenção para uma fonte de receitas dos grupos que controlam ou que investem a imprensa (e os media, como é óbvio) – os anúncios publicitários. Desde os anúncios discretos associados a spots fixos, até a pseudo-reportagem inteligentemente concebida ou politicamente financiada, passando pelos anúncios que obrigam a engenharia informática para desobstrução, muitas figuras surgiram agora.
Estudar os anúncios (alguns, interessantíssimos ex-votos como fiz num artigo publicado em 2012 na Kyklos) é um trabalho apaixonante. Desde a análise da mensagem – quer a explícita, quer a implícita – passando pelo custo associado até à forma do mesmo, revela muito da nossa sociedade, dos nossos conceitos de espaços de comunicação de necessidades (que é a definição de Mercado) bem como da perceção que os anunciantes tem do público recetor.
Foi isso que eu e duas colegas investigadoras polacas (Justyna Dobroszek e Lena Grzesiak) realizámos sobre os anúncios de jornais do centro da Europa. Focamo-nos sobre um dos setores que mais tem contribuído para as taxas de crescimento económico tão altas de países como a Polónia – o setor dos transportadores e da logística. Num mundo tão sedentário, tornamo-nos rapidamente dependentes de quem faz o transporte por nós. Os países da Europa Central compreenderam-no e tem recolhido ganhos dessa aposta. Por isso, anúncios pedindo profissionais para este setor são abundantes nas páginas dos jornais da Europa Central. O resultado dessa reflexão vai ser publicado em breve no International Journal of Logistics Management mostrando como o próprio setor se modernizou para se encontrar com as exigências diversificadas de transportes de materiais, produtos e cidadãos.
Porque um dos fascínios do leitor-amante de jornais, com um café à frente e conversas ao lado, é aprender a ler nas entrelinhas e saborear a prorrogativa de desfolhar o mundo como se de um jornal se tratasse.

O IETI fez 6 meses!


O IETI é o Índice da Economia de Trás-os-Montes. Reúne as perceções de um conjunto alargado de respondentes que vivem na região dos distritos de Vila Real e Bragança e que, mensalmente, respondem on-line a um inquérito sobre a evolução dos gastos, das obras públicas e privadas bem como do afluxo de turistas no espaço transmontano.
As respostas tem sido coletadas por mim desde novembro de 2017 e, neste meio ano, permitiram a construção da figura abaixo.

A figura permite verificar que existe uma perceção de crescimento em momentos como o final do ano e de franca recuperação no último mês. Obviamente, procedimentos adicionais estão a ser desenvolvidos e que se relacionam com a correlação com índices económicos mensais nacionais e internacionais bem como uma calibração refinada em cada mês. Estes desenvolvimentos serão em breve apresentados em ambiente próprio.

Adicionalmente, a figura permite verificar que o inverno foi um período de forte retração da economia da região, com os três vetores – gastos das famílias, obras/investimento, e turismo – a sofrerem com o rigor climático e com o ambiente pluvioso que se sentiu.

Leituras acessórias devem ser feitas. Em primeiro lugar, apesar da margem de erro estimada, nem todos tem de sentir o movimento sugerido pelo índice, o que é conhecido pelo “Paradoxo do PIB” – que pode crescer em períodos em que alguns (senão muitos) cidadãos vivem pior. Em segundo lugar, este índice pertence à categorias dos ‘Diffusion Indexes’, no qual se avaliam as diferenças entre as respostas extremas recolhidas e portanto baseia-se na assunção de que os respondentes são muito bons avaliadores da realidade económica que os envolve (e em princípio as perceções da população heterogénea não andam longe da realidade, segundo Condorcet). Finalmente, este índice é um barómetro da realidade económica de Vila Real e Bragança – tantas desprezada, esquecida, desvalorizada ou esquecida pelas instituições oficiais, públicas ou privadas, de outras longitudes.

O que ganham os transmontanos com este índice (disponível no blog http://ietmad.blogspot.pt/ ou no Facebook https://www.facebook.com/iettmad/ )? Ganham três oportunidades. A primeira é a de viverem numa região que tendo sido pioneira na eletrificação urbana é assim pioneira na construção metodológica robusta de um índice que permite atualizações mensais. O INE publica relatórios mensais da atividade económica e notas trimestrais da evolução do PIB nacional. O IETI tem feito isso mensalmente para todos os transmontanos. A segunda oportunidade é a de este índice mostrar vida própria na economia da região, permitindo evidenciar que nem sempre crescemos quando o PIB de Lisboa cresce e nem sempre estamos em crise quando em Lisboa faz frio. Finalmente, o IETI veio para ficar e o movimento crescente de interessados em responderem ao índice (comprovadamente residentes na região) é uma evidência (aliás, se o leitor estiver interessado, contate através de reismouraopaulo@gmail.com) .

Por último, deixo um agradecimento especial às várias dezenas de respondentes que tem dedicado um minuto por mês a responderem na plataforma de recolha de dados. Respondentes que são oriundos de todos os concelhos da região, com as mais variadas simpatias de cor, clube, gastronomia ou série televisiva e que tem permitido este projeto pioneiro em Portugal.