quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

O Bico do Pato e a Eutanásia


Agora que os 5 projetos em votação foram aprovados, eu – que se tivesse tido a possibilidade de votar ou de responder em Referendo sobre o assunto – teria votado pelo “Não”, e depois de responder a alguns jornalistas sobre o assunto, refiro que entre ‘deja vu’ e evidência estatística, podemos esperar o seguinte:
Primeiro) a “Procura” por Eutanásia, assim como a “Procura” pela IVG (Interrupção Voluntária da Gravidez) ou a “Procura” pelo Divórcio (em 1911!) seguirá a “Lei do Bico do Pato” ou a “Lei de Poisson” – com um crescimento anormal nos primeiros tempos de exercício livre e depois uma estabilização em patamares que, sendo superiores aos atuais, serão bem menores que o da reação imediata. Assim foi com o Aborto, assim foi com o Divórcio, assim foi sempre que se liberalizou algo que antes estava significativamente restrito.



Segundo) o Debate foi – ao contrário de há dois anos – bem mais esclarecedor, menos cinzento e mais colorido. Sem dúvida que as forças do Não tiveram (e têm) hoje uma expressão mais audível, lúcida e moderna do que então. O timing de oportunismo político mostra que os derrotados de há dois anos aprenderam a calendarização parlamentar e como bons maquiavélicos, nada como ser impopular no início para no esquecimento do tempo final aparecermos como melhores.
Terceiro) Os novos Direitos não obrigam ninguém. Obviamente tal locução é ingénua no conteúdo mas também na substância. A pobreza de uns, o isolamento de outros, a demência de terceiros e o oportunismo de quartos vão obrigar muitos a optar pelo fim à vista. Mas também a todos nos responsabilizam, na mesma medida que como Santo Isidro já referia, no Aborto a Mulher é a maior vítima porque a mais pressionada pelos que antes dela não quiseram a Vida a nascer; também aqui o cidadão que pede a eutanásia, na sua liberdade, responsabiliza especialmente toda a sociedade que, vencida por fins utilitaristas (benvindo São John Stuart Mill!!!) o foi privando, pouco a pouco, da leitura positiva que outros beberam da vida – eventualmente, os mais ricos, os mais densos em redes sociais e os mais urbanos e litoralizados.
Quarto) Os médicos, enfermeiros, profissionais de saúde, assistentes sociais e, no fundo, todos nós teremos de refletir nas posições éticas e deontológicas. A escapatória da objeção de consciência ou a negação da prática associada à ‘morte assistida’ levará a que outros tenham mais procura, lucros e influência. E aqui o Estado terá um papel importante a trazer equilíbrio a estas práticas de concorrência monopolística emergentes em todos os mercados caraterizados por restrições éticas.
Quinto) Ao longo da História das Civilizações, sempre se conviveu com eutanásias mais ou menos mascaradas. Inclusivé, o fim de Sócrates poderia ser colado em certa medida a esta tensão. Ou então os abafadores que Miguel Torga descreve nas suas Montanhas. Como sempre se conviveu com Abortos e com Divórcios. Qual o mal pois de mais esta liberalização? Nenhum, se em breve aceitarmos natural que o porte de arma seja liberalizado, se a pena de morte regresse e se aceitarmos como natural que uns valem mais do que outros na respiração do oxigénio, um bem cada vez mais escasso, aliás. Porque, não haja dúvida, de que a despenalização reduz custos à prática associada, logo fica mais ‘barata’ e ainda que ninguém seja obrigado a adquirir tal serviço ou produto, existe uma propensão, pela Lei dos Grandes Números, para o mesmo acontecer em maior frequência. Portanto, amanhã o Sol nascerá na mesma e aí recordarei o meu Pai que na sua juventude de 59 anos partiu desejando viver cada minuto daquela vida que para muitos não o era. Cada um tem as lições que pode e o estigma que recebe.