segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Sobre os impotentes e os cobardes




Já Santo Agostinho dizia – querer sem poder, é impotência; poder sem querer, é malícia. Tal aforismo aplicava-se à generalidade dos atos de Bondade enquanto expressões da vontade humana. Desde a afetividade até à Política. Querer fazer o Bem e não o Poder fazer, é Impotência; mas poder fazê-lo e não o querer, é já malícia.

O italiano Inácio Silone, aproveitando esta base, sugeria que para a Política ser bem feita precisava de três dimensões – Capacidade, Vontade e Coragem. Capacidade de fazer bem, de iluminar bem as ruas de uma cidade ou das relações entre as pessoas. Vontade de o fazer. E coragem de cortar com as pressões dos grupos instalados, dos que desejam mal ou desejam o mal. Em última análise, a História premeia os Políticos Corajosos, o Voto premeia os Voluntariosos e as Finanças os Capazes, como também referia.

Sentimos todos que os nossos sentidos de Democracia vêm sendo questionados. Podemos aceitar os que dão soluções imediatistas – os denominados populistas – quando sabemos que os problemas são complexos? Podemos aceitar os tempos de urgências diferentes sentidas pelas populações que convivem com a profunda desigualdade sócio-económica, o arrepio dos direitos e a lentidão dos processos administrativos e burocráticos? Em suma, os totalitarismos são – na grande maioria dos exemplos – as respostas dos audazes às falências das instituições parlamentares.

Jacques Maritain foi um francês que, vivendo as duas Guerras Mundiais, o percebeu. Vindo de uma infância protestante, pouco a pouco, aproximou-se do Catolicismo e chegou à década de 1950 como um dos filósofos cristãos mais influentes, lançando as sementes da Comunidade Europeia e as ideias ecuménicas do Concílio Vaticano II. Escreveu uma obra dura – Cristianismo e Democracia, na qual diz claramente que sem raízes cristãs a Democracia não pode vingar. Inclusivé aqueles que fazem da Democracia a própria Religião perceberão que o afastamento do cristianismo trará a debilidade da política democrática, transformada pouco a pouco no totalitarismo.

Assinei com o Pedro Seixas Miranda o artigo “Christianity, democracy, and Maritain: a reading of a path of meetings and retreats” publicado neste ano na International Review of Economics, em cujo Conselho Editorial estão Prémios Nobel como Amartya Sen ou Joseph Stiglitz. Nesse artigo, dissecamos a atualidade da obra de Maritain e sobretudo a atualidade do seu argumentário político-económico. E o que surpreende é como tal obra, cada vez mais, se vem tornando atual.

Neste período assim propício, desejo a todos Festas Felizes! E que todos possam e queiram. E que sejam corajosos, porque cada vez mais para fazer o Bem (e fazê-lo bem) é necessária coragem.

domingo, 3 de novembro de 2019

As desventuras das teses de Doutoramento dos Políticos





Recentemente, a tese de Doutoramento de um político português, ultimamente eleito para a Assembleia da República, originou alguma celeuma no espaço de opinião pública. Descobriram-se lá conclusões que assim retiradas parecem contrariar o ideário (divulgado) de suporte da força política do referido deputado. Ainda que tal exercício seja inócuo para os fins que eventualmente se almejavam – pois uma “tese de Doutoramento” – ainda mais em Ciências Sociais – é um reflexo contingente como qualquer produto científico, o que gostaria de partilhar com os meus leitores agora prende-se com duas dimensões principais – a importância política das Teses de Doutoramento e o elemento de continuidade do argumentário da tese com a convicção do Autor.

Na primeira dimensão – a importância política – não deixa de ser curiosa a valorização que os Políticos dão para serem Doutores e a pressa que a Comunicação Social empresta para procurar fontes de plágio, lapsos metodológicos, conclusões enviesadas ou resultados forjados no referido documento. Em primeiro lugar, não só os Políticos como toda a Sociedade deveria valorizar qualquer Tese de Doutoramento, reflexo de anos de dedicação, frustrações, maturidades sobre-humanas, exigências exógenas tantas vezes incompreensíveis, expetativas alimentadas e tantas vezes desrespeitadas, sacrifícios monetários e energéticos – para lá da hecatombe intelectual – que culminam na defesa pública, na aprovação, no depósito da tese e na sua disponibilização e derivação (em Artigos ou Livros). Como em qualquer espaço de ‘élites’, também depois as Teses são ‘rankeadas’ em função do potencial concretizado de publicações indexadas, da projeção dos Orientadores, da qualidade da Universidade, etc etc Mas, de sobremaneira, a hipervalorização dada pelos Políticos a este elemento prende-se com uma colagem tradicional que – sobretudo na cultura nórdica-europeia associa os mais educados aos mais íntegros. Logo, um cidadão doutorado será aprioristicamente um cidadão mais íntegro e um político doutorado terá uma sobrecapa de integridade. Mas mais do que a Tese de Doutoramento de um sapateiro ou de um pedreiro (que as há, sem pasmo saliente-se – para não falar das muitas Teses de Doutoramento de desempregados e infelizmente como recentemente um estudo norte-americano provou – inclusive de sem-abrigo…) a Tese de Doutoramento de um Político é muito mais filtrada pelos ‘SafeAssigns’ mediáticos do que a Crítica da Razão Pura ou as entrevistas do Sérgio Conceição. Para lá de pressões dos seus inimigos políticos que junto dele se sentam na mesma bancada partidária, os órgãos de Comunicação Social parecem interessados em encontrar aquilo que à partida deveria ter sido encontrado no Júri que aprovou o cidadão como Doutor – máculas de plágio, transcrições mal-feitas, viés metodológico, dados forjados, etc etc
Gosto por trazer à mediania o petulante? Gosto por fazer-se justiça que não foi feita no tribunal académico? Gosto por ridicularizar? Obviamente, como todos sabemos em política, ‘viúva rica sózinha não fica’ e após a queda dos políticos plagiadores, forjadores, ou encomendadores de teses os verdadeiros interessados tendem a aquecer-lhes os lugares na tribuna.

A segunda dimensão – a continuidade do argumentário – é talvez a mais ingénua destas duas dimensões. Fraco é o cientista que passados cinco anos do Doutoramento não tem desejo de repetir, refazer, ou contrariar todas ou boa parte daquelas conclusões alçadas na juventude da sua investigação. Não é preciso ser um vira-casacas político mas é preciso ser racional. Metodológico. Crítico. A Ciência não é Fé, logo não é Dogmática. No entanto, nem sempre os Cientistas viram para o melhor lado. Mas uma coisa boa que eles – a maioria deles - têm, é que reconhecem mais depressa – e sem tanto alarido -  os erros. Mais depressa do que a maioria dos cidadãos. E obviamente do que a maioria dos concidadãos Políticos.

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

O relógio do Investimento




O momento do Investimento não é um momento aleatório. Não decidimos comprar uma casa no meio do sono ou porque escorregamos na rua. Quando se realizam investimentos – quer individuais quer públicos – o momento em que o “processo de investimento” decorre não é um período aleatório. Pelo contrário, desde o momento de observação e estudo dos custos de oportunidade, até à avaliação do retorno, passando pela oportunidade da decisão, pela especulação junto dos restantes agentes no mercado – desde outros investidores até eventuais parceiros para completar o financiamento e o suporte nas fases posteriores – quando se Investe joga-se, pois, também com o momento.
Como o jogador de Sueca sabe, por vezes mostrar trunfos é oportuno e noutras uma infantilidade. O investidor bolsista sabe-o também. Recolhe informação durante a noite para decidir a melhor estratégia na abertura das bolsas; olha a evolução ‘intraday’ para decidir se aquele ‘preço’ está muito alto ou se pelo contrário está muito baixo e se será uma boa opção. Os clubes de futebol não correm todos a adquirir os passes do João Félix no dia 1 de julho como também sabem que ter casos Bruno Fernandes pode comportar custos de armazenamento/depreciação do stock.
Inclusivé, a Ciência Política sabe que o Investimento –desde o anúncio ou a promessa de anúncio até à finalização e acompanhamento dos retornos públicos e sociais – obedece a um calendário estratégico que se cruza com a agenda eleitoral e com a gestão de prestígio e de capital político dos envolvidos.
No entanto, há situações em que o Investimento nunca mais surge – a noiva nunca mais casa, as Auto-estradas deixam de ser feitas, o Bruno Fernandes acumula vermelhos no campeonato. A Bolsa fecha dia após dia no vermelho, os investidores saem para outras paragens que crescem em tamanho, em desenvolvimento, até em ânimo dos agentes económicos. Porque o Investimento – como diversos autores da Economia sabem – tem esse efeito pitoresco de nos animar. O Belo conduz ao Bem; ao invés, cidades que se degradam, casas que se abandonam, ruas devolutas, barbas que não se aparam, vinhas que não se vindimam ou chamadas para o lugar de Ministro – ou até para jantar um francesinha - que não se fazem/recebem levam à desvalorização – isto é, ao momento em que se perde Valor na Economia, especificamente no Capital Financeiro, no Capital Politico e no Capital Social. O investimento que nunca mais chega pode inclusive dar lugar ao desinvestimento que é a deslocação de fábricas, empregos, atenção e orgulho. E onde outrora se rezava ao Senhor agora não passa da abandonada capela da Senhora da Ribeira. Onde outrora foi uma casa com uma mesa onde o casal jantava o caldo com seis filhos parece um castanheiro rodeado de hera na paisagem em Vinhais. Onde outrora tínhamos uma grande promessa do futebol mundial vai ficando na expetativa de um defeso onde tudo corra bem.
Enquanto isso, a caravana passa ao longe nas estradas cada vez mais modernas e dinâmicas onde cai o investimento. E no entanto como Saint-Éxupery sabia, onde se permanece, aí se investe. Aí se deixa Capital – que é o cofre onde guardamos os nossos Valores, isto é, os nossos esforços, o nosso custo. Que até pode ser monetário ou financeiro. Mas em muitas mais vezes é em Atenção, Presença, Calor e Amizade.