quinta-feira, 26 de maio de 2016

Procuro Mãe de Freixo de Espada a Cinta para conversa séria



A discussão em torno dos contratos de associação, como qualquer discussão no campo educativo, é complexa. Já o tinha aflorado no artigo com o Pedro Seixas Miranda publicado em 2014 na Cuadernos de Economia. Desde logo, porque a Ciência Educativa não é Economia, não é Política, não é Religião. E desde logo porque os Professores verdadeiros são seres verdadeiramente apaixonados, que se desgastam e que se consomem como no meu poema sobre o Giz que a minha Escola Secundária Camilo Castelo Branco colocou no escadario interior há mais de 10 anos.

Sou filho de Professores Primários sindicalizados que serviram o Estado no interior de Portugal. Na minha árvore ancestral, consigo contar mais de 10 antepassados que eram Professores e Mestres-Escolas desde finais do século XVIII. Depois de ter frequentado sempre o Ensino Público, sou há quinze anos Professor numa das mais prestigiadas Universidades Públicas da Península Ibérica. Sou pai de dois rapazes – um que frequenta o 5º ano num Colégio Privado inserido na Rede Pública com contrato de associação e outro que frequenta o 1º ano numa Escola Pública. E estou muito satisfeito com o percurso escolar de ambos!

Agora, como transmontano, tenho dificuldade em compreender certas nuances que este debate – incompreensivelmente, eternizado – tem trazido. Porque argumentos da mais radical Direita liberal são colocados na boca de gente de Esquerda ou porque argumentos estalinizantes são esgrimidos por gente de Direita? Não (porque os Políticos há muito não tem o poder de me iludir). O que me espanta é ver uma mãe de Freixo de Espada a Cinta com filhos no Público reclamar contra o argumentário de uma Escola Privada da Rede Pública com Contrato de Associação no interior. Porque o seu argumento pode virar-se no pós-imediato contra ela. Vejamos como este ‘boomerang’ está assente em duas Falácias.

Primeira Falácia, a Utilitarista – o melhor da Maioria é o melhor para o Indivíduo

Este argumento é um argumento perigoso se vingar em São Bento. Levará a que, cada vez mais, se acentue a preferência pela colocação dos investimentos públicos e projetos multiplicadores em 3 ‘players’ tradicionalmente favorecidos – no litoral, nos setores mais competitivos da economia e nos interesses baseados nos grupos de pressão mais ágeis, isto é, nas opções da maioria (não confundir com opções democráticas). Portanto, ai dos vencidos neste mundo darwinista – ai do interior, ai dos setores menos competitivos da economia, ai daqueles que são invisíveis, mudos e atados! Esperemos que a mãe de Freixo de Espada a Cinta não seja do interior, não trabalhe na agricultura nem seja muda politicamente.

Segunda Falácia, a Liberal à la Nozick – quem mais usufrui, mais deve pagar.

O Colégio Salesiano de Poiares – a Escola do interior com contrato de associação que melhor conheço - é uma experiência do argumentário nacional – sendo escola com “contrato de associação”, a maioria dos alunos é oriunda de agregados familiares que usufruem um rendimento abaixo da media nacional. Não duvido que muitas famílias de muitos alunos terão custos superiores nas deslocações para as escolas públicas da área de residência. Como na discussão em torno das Escolas “com contratos de Associação” existe o apedrejamento de uns pela parecença com o todo (a falácia da composição que ensinamos aos alunos de Economia), também a maioria dos fundos comunitários ficou alojada nalguns (no litoral) com a justificação de que o Norte era homogéneo. Serviu para uns crescerem em detrimento de outros – por exemplo, o Porto em detrimento do restante Norte. Esta discussão obscurece pois muito da realidade da Educação Pública e Privada em Portugal – os rácios de qualidade são dependentes de fatores abióticos, nem todo o Público é barato como nem todo o Setor Privado é para os ricos. Da mesma forma, nem todo o investimento no litoral foi eficaz e nem todo o investimento feito no interior foi desperdício. Esperemos pois que a mãe de Freixo de Espada a Cinta não tenha que pagar no futuro mais porque os médicos do litoral ficam mais caros no interior, porque o filho frequentará uma Universidade do Interior cujos Contratos de Confiança (ah pois é – também os há no Ensino Superior…) foram esquecidos por uma agenda que só quer a sobrevivência das instituições do Litoral e finalmente porque os serviços públicos de que usufrui são sobretudo pagos pelas tias da Cascais e pelos turistas do Algarve.

Finalmente, os contratos de associação são um instrumento na linha dos designados instrumentos de diferenciação positiva que o keynesiano regionalista tão bem defende. E que eu defendo também! O colega e amigo o Ministro da Economia – Manuel Caldeira Cabral – veio, há uma semana, na inauguração do Regia Douro Park desiludir muita gente – ouvi à distância o seu discurso que tinha debatido com ele vezes sem conta nos corredores da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho. Conheço as suas ideias, por vezes bem mais liberais do que as minhas que sei o que as gentes do Interior sofrem. Deixar os empresários sós, entregues a projetos de empreendedorismo que duram um ou dois verões, sem a alavancagem de um contrato de médio prazo de diferenciação positiva equivale a acentuar os preços relativos favoráveis no litoral, agora mais perto dez minutos e mais caros dois euros.

Portanto, compreendo as outras mães. Gostaria de falar com a mãe de Freixo de Espada a Cinta para a compreender melhor!



sábado, 7 de maio de 2016

Quando o Barão de Forrester encontrou David Ricardo - Sobre o Túnel e as Vantagens Comparativas





Paulo Reis Mourão
(Professor do Departamento de Economia da Universidade do Minho)

O Túnel do Marão foi inaugurado. Este facto merece, a meu ver, dois pontos de reflexão – um de reflexão graciosa; outro de reflexão mais densa.

Em primeiro lugar, as alvíssaras. Uma obra desta envergadura (aproximadamente, 400 milhões de euros com um quarto de financiamento comunitário) é acima de tudo uma vitória de três grupos de agentes. Em primeiro lugar, a classe política da região. Na realidade, conseguir colocar este investimento em planeamento, desenvolvimento, desbloqueio e conclusão é o resultado de muitos agentes políticos, de diversos quadrantes partidários, desde autarcas da região até incumbentes em São Bento que conseguiram demonstrar o interesse para Portugal de uma obra deste tamanho. Só os inocentes que nunca saíram da região ou os imaturos politicamente que nunca sentiram o preconceito político e territorial minimizam o esforço – tantas vezes, invisível – que permitiu vencer os bloqueios associados a levar a bom porto este investimento – isto é, um valor acrescentado de utilidade de médio e longo prazo estimado em mil euros por transmontano. Em segundo lugar, é a vitória de ‘doers’, isto é, agentes negociadores, geralmente avençados, que intermedeiam as conversações entre a classe política, a classe construtora e engenheira, e, finalmente, a classe dos financiadores. Portanto, o Túnel do Marão mostra que os ‘doers’ também gostam das regiões que alguns catalogam de “Deprimidas”. Em terceiro lugar, o Túnel é a grande vitória do setor que mais cresceu na economia transmontana e alto-duriense nos últimos 20 anos – o setor do Turismo. Foi este setor, também, o grande ‘lobby’ desbloqueador e pressionante deste processo, cujos primeiros sonhos começaram na década de 1950 e têm um interlúdio hoje.

Agora, a reflexão que, depois da festa, todos vamos ter de fazer. Quando, há quase um quarto de século, o IP4 se tornou transitável, a Comunicação Social, então e mais uma vez, retomou os chavões que trinta anos antes usara para a Nacional 15 ou que cem anos atrás usara para a transformação do Cachão da Valeira: eis que a interioridade de Trás-os-Montes se vai perder... É de sorrir, pois esta verdade não é tão agradável como pareça para o investidor transmontano! As minhas viagens (tantas vezes diárias para e de Braga e/ou Porto) ficarão mais curtas. Mas o que vai acontecer é a observância de uma velha lei da Economia dos Transportes: "A redução dos custos de transporte aumenta a atratividade de um pólo em detrimento do outro extremo." Adivinhem qual o pólo que em 150 anos aumentou de atratividade com os cachões desbravados. Adivinhem qual o pólo que aumentará de atratividade com o famoso Túnel do Marão. A construção civil de Amarante "para baixo" esfrega as mãos de contente! Vários jornalistas, amigos, economistas e políticos me têm auscultado sobre o assunto de há meio ano a esta parte. A todos respondo – quem quiser apostar, agora, em Trás-os-Montes, faça-o no Turismo! A população litoralizada – a tal que, repleta de preconceitos – sobretudo a classe média da faixa litoral – tinha pavor às curvas do Marão, ao subdesenvolvimento do Planalto, à rudeza das gentes tantas vezes alvo do anedotário particular que irritava Camilo, Junqueiro, ou Torga – poderá melhor vencer as suas fobias, consumir um covilhete, ver as vindimas, fazer um cruzeiro no Douro. Virão mais facilmente à Queima das Fitas dos filhos que, como soldados colocados em zona de guerra, ficaram colocados nas instituições de Ensino Superior da região. E poderão esses perceber como o mundo é bem maior quando olhamos para o melhor do nosso país. No entanto, como a História nos mostrou em 150 anos, desbravar cachões sem um programa intenso de diferenciação positiva do interior, gerador de emprego, de oportunidades e sobretudo sem uma mudança de mentalidade, levará, ano após ano, a maiores êxodos da região assim aberta. Há 150 anos atrás, David Ricardo revolucionou o pensamento económico ao demonstrar os ganhos mútuos das vantagens comparativas para Portugal e para Inglaterra derivados de Methuen. Ambos os países se especializaram, reduziram custos de produção e de transporte, e passaram a ter acesso a vinhos melhores e mais baratos, e a sarapilheiras melhores e mais baratas. Como agora sabemos, David Ricardo, um testa-de-ferro dos bancários da altura, esqueceu-se de referir que a definição dos preços relativos favorece sempre mais uns do que outros. Assim, as vantagens comparativas da abertura do nosso Túnel dependerão muito de como soubermos captar benefícios, de como soubermos reter a saída da mão-de-obra, de como soubermos bem tratar os jovens. Caso contrário, a região será cada vez mais paisagem e cada vez menos humana.