Como a maioria da população portuguesa, os transmontanos são em 98% (também) dos “Três Grandes”. Os outros 2% são de outras equipas – como o Vitória de Setúbal (como todos sabem, o clube de coração do meu saudoso Pai), do Belenenses (sobretudo os que conheceram a capacidade dos do Restelo além-Mar na década de 1950, como o meu saudoso primo Filinto Cabral), ou do Académica de Coimbra (reminiscências de uma Briosa de entrega estudantil e de manifesto de liberdade política antes de Abril). Outros clubes também caberão nestes 2%.
O Transmontano benfiquista sabe que é adepto do clube português cuja marca é mais conhecida além fronteiras. A soma do passado incontornável em que o Benfica pisava a Europa enxuta – vingando-os - quando muitos portugueses a pisavam enlameada nos bairros de lata dos subúrbios de Paris ou do Luxemburgo com a soma dos valores orçamentados atualmente contribuem para essa grandeza. Como tenho percorrido os diversos continentes, reconheço que o nome “Benfica” é o mais facilmente identificado na abordagem aos clubes portugueses -para lá dos nomes-marca Ronaldo ou Mourinho (que uso para me apresentar ‘Mourão means a very very big Mourinho’). O Benfica de Lisboa tinha a particularidade de levar o adepto benfiquista a visitar a capital, naquela peregrinação antes bissextina e agora quase mensal, e sobretudo a visitar a Catedral, num sentimento de igualdade perante o ribatejano ou o alentejano. Paga quotas para algo que é alimentado a 400 quilómetros mas vivido na mesa daquele café, naquela arritmia que sabe partilhada por milhões anónimos. Entre o tal passado de uma glória de topo mundial até às intermitências dos últimos quarenta anos, vive como aforrista – com o capital do passado, juros baixos no presente, e liquidez reduzida.
O transmontano portista vê no FCP o orgulho céltico do homem do Norte. Homem de trabalho que valoriza mais o músculo suado do que a barriga em digestão. Incontornavelmente, a geração baby-boomer (a nascida com o fim do conflito colonial) encontrou no FC Porto o brio de uma região Norte que se impôs no desporto profissional mundial desde 1980, atingindo, dentro das limitações de recursos da própria área e do país não ser um Big-5, o reconhecimento que muitas vezes lhe era negado. Se o Porto deu nome ao país, o FCP e a liderança de quarenta anos criaram uma mística familiar próxima da do transmontano que, curiosamente, nem sempre encontrou na área metropolitana do Porto a valorização que os proprietários durienses de oitocentos encontraram nos salões da Foz. No entanto, a alma festiva das noites europeias era partilhada com a mesma força para cá do Marão como o era na Asprela. Se o benfiquista transmontano incarna o aforrista, o portista da região assemelha-se ao impaciente – tem o seu património apoiado em M1 e em M2, isto é em dinheiro corrente e em depósitos à ordem. Sem paciência porque desde que a capital desceu para Coimbra no Século XII que o norte só no futebol tem trazido capitalidade para um país obcecado a olhar para o mar, virando as costas aos montes.
O transmontano sportinguista não é aforrista nem investidor. Sabe pertencer a uma minoria que dispensa alaridos, festejos ou congestões. Se outros esperam, eles agradecem o tempo que chega. No fundo, juntam ao sentimento transmontano o sentimento sportinguista, uma certa saudade do futuro que chegará, não tão depressa como para os outros, mas que chegará. Um pouco como a mãe que espera, atrás do postigo, pelos filhos emigrados. Seja a mãe aristocrata, seja a mãe humana. É difícil para outros juntar estas duas grandezas? É. Mas por isso quando chega – o título, o filho emigrado, o parente regressado das colónias – o triunfo é diferente. Como aquela flor de cacto das rudezas em redor do Cachão da Valeira que aparece uma vez em cada dúzia de anos. Aparece. E é flor.
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