sábado, 17 de outubro de 2020

Ricos, loucos e destemidos sem máscara

 

Sim, porque sois assim? – é esta a pergunta que metade da sociedade faz à outra metade que não quer andar ou usar máscara, que quer falar livremente nas esplanadas e dentro dos cafés, que quer mandar tantas restrições, até agora sem eficácia visível, às urtigas, ou aonde as haja.

 

Esta pergunta é respondida pelos governos europeus com mais repressão, com mais confinamento e com mais dúvidas e incertezas. Vamos fechar-vos em breve em casa, vamos obrigar-vos a correr mascarados para as compras, a ter aulas à distância, enquanto os hospitais – públicos e privados – conseguirem vazar as pressões de tantos utentes com necessidades de cuidados intensivos. Depois de mais uma vaga de repressão, em que usamos a sociedade como mais uma cobaia de ensaio, notaremos que sabemos cientificamente tanto em outubro como sabíamos em março ou em abril, dando espaços abertos, enormes e abertos, a teorias de conspiração, de oposição, de revolta moral e de resistência cívica. Parece que é isto que tantos governos, por esse mundo fora, nos dizem hoje.

 

No entanto, a Economia, enquanto ciência do comportamento, ajuda a responder a esta pergunta. Porque são assim? Porque uns roubam e outras ficam a ver? E porque uns matam enquanto outros são mortos? Porque uns corrompem e outros se deixam corromper? Porque uns ganham e outros perdem? A resposta é simples – porque assim escolheram. E enquanto ninguém nos mostrar que perdemos mais com as escolhas feitas do que ganhámos, continuaremos a apostar naquela casa na roleta, naquela terminação, naquele partido, naquela crença, naquela ideia. Uns roubam porque acreditaram que compensava roubar, outros mataram porque julgaram que nunca seriam sentenciados ou que nunca iriam para um inferno apregoado por outros. Uns corrompem porque acreditam que só assim conseguirão dar mais bem-estar àqueles que lhes são próximos, borrifando de desinteresse todos os outros. Uns escravizam porque acreditam que assim conseguirão mais feitos enquanto outros desprezam porque acreditam que assim se sentirão melhores. Uns mandam outros para campos de concentração porque assim terão uma sociedade mais limpa. Uns correm para o álcool para suportar isto tudo enquanto que outros pegam numa arma para estoirar de vez com este mundo. Fazem-nos porque são malucos? Não, fazem-no porque são racionais, julgando que o que fazem é bem feito. São assim, foram assim criados, transtornados ou formados? Talvez, mas fazem-no porque são tão racionais como um italiano na noite de 17 de julho de 1994 o foi, um dos italianos mais talentosos a cobrar grandes penalidades – Roberto Baggio – que decidiu atirar a bola para o ponto cego de um Cláudio Taffarel cansado quase 180 minutos jogados de uma final, para o ângulo das 13h. E esse italiano, com uma proporção alta de eficácia na cobrança de grandes penalidades, atirou para a bancada superior do Rose Bawl, dando o título a uma seleção canarinha que jogava com o cinismo dos transalpinos. Baggio acreditou que faria bem; passados oito segundos depois de ter recuado oito passos para iniciar a corrida de ensaio, percebeu que fez mal. Arrependeu-se? Talvez. Mas percebeu que tinha escolhido mal, que tinha arriscado e que tinha perdido.

 

A imagem pode conter: uma ou mais pessoas e chapéu

 

Será que a repressão, as multas, a vigilância policial, ou a divulgação de vídeos nas redes sociais apontando infratores, desleixados e despreocupados fará com que eles coloquem as máscaras, com que se distanciem dos outros, com que não sejam agentes eventuais de contágio eventual? E sobretudo fará com que a brutalidade desta segunda vaga não gere mais incertezas, medos e complexos na outra metade? Baggio percebeu a desilusão. Uns podem até perceber infernos, mais tarde. Enquanto isso, eles aí andam – sem máscara, conversando, quase pornograficamente, com a alegria que nós quereríamos ter. Nessas alturas, lembro-me daquela frase do Adam Smith, em Teoria dos Sentimentos Morais, algo como “Como admiro os ricos, os loucos e os destemidos – porque mesmo que morram nos seus consumos, loucuras ou impulsos mostram-nos – a nós, os sobreviventes - que a nossa vida simples pode ser sempre um pouco diferente.”

Sem comentários:

Enviar um comentário