Vou começar como vou terminar –
neste momento, cada concelho de Trás-os-Montes e Alto Douro, incluindo os
sedeados nas cidades, perde um habitante por dia. É uma evidência.
Com esta evidência, é muito
interessante – sob o ponto de vista literário – assistir a alguns momentos da
campanha eleitoral autárquica. É-o porque estamos perante episódios trágicos.
De acordo com o sentido maior de
tragédia, é classificada enquanto tal a obra (ou representação) na qual as
personagens, incapazes de contrariar o destino, vão lutando durante o enredo –
ainda que sem sucesso – para contrariar o mesmo. A Literatura Universal tem um
cardápio longo de grandes obras desta natureza que vão ficar secundadas pela
generalidade dos discursos que povoaram a campanha autárquica recente.
Por um lado, é verdade que
algumas destas personagens são inocentes perante o trágico destino. A população
eleitora é uma dessas personagens inocentes que tem assistido a uma melhoria
das condições de vida resultado do amadurecimento do Desenvolvimento do país,
se compararmos com o que se passava há trinta ou há cinquenta anos. Vive-se
mais, existe mais oportunidade de turismo dentro e fora do país, há mais
atividades culturais e propostas de conhecimento dispersas pelo território, o
Serviço Nacional de Saúde está mais próximo da população e os rendimentos das
famílias permitem um acesso a infraestruturas de consumo impensáveis há duas
gerações atrás. A qualificação dos cidadãos aumentou ainda que sem a
compensação relativa equivalente – muitos netos (agora licenciados ou mestres)
de cidadãos que só tiveram a oportunidade de completar a então Escola Primária
não estão hoje com melhores remunerações relativas do que os seus avós (outra
das ‘tragédias nacionais’). Isto significa que até têm hoje cursos, que até
passaram pelas universidades, mas em contrapartida a desigualdade
sócio-económica não diminuiu como devia no nosso país (um tema também
sobejamente debatido e evidenciado). Também é verdade que a população vai mais
depressa assistir a um jogo no Dragão, na Luz ou no Estado do Rei com os
vizinhos do que vai ao Monte da Forca, ao Municipal de Murça no Seixo ou ao
Campo da Feira em Sabrosa, o que explica muita outra coisa. Finalmente, também
é verdade que a população janta mais vezes fora do que há cinquenta anos,
dinamiza a restauração envolvente e convive mais com uns e com outras. E, no
entanto, cada concelho da região perde um residente por dia. Por mês? Não, por
dia.
Agora, olhemos para outras
personagens inocentes – as autarquias. A evolução do número de funcionários
municipais mostra um aumento nos primeiros trinta anos a seguir a Abril de
1974, oficialmente estancado em meados da primeira década deste milénio (ainda
que com a substituição de muitos empregos permanentes por funções avençadas,
contratos de duração indefinida, lugares comparticipados por fundos
comunitários ou por iniciativas de ciclo político). Com esta evolução, houve
também um aumento dos recursos das autarquias de modo a responder ao
crescimento da despesa associada. A descentralização continuou a basear-se no
reforço das dotações atribuídas, sob várias formas aos municípios, e com isto
abandonou-se o ideal regionalista, imiscuído no transformismo das CCDR ou das
CIM. Houve evolução na qualificação dos funcionários municipais, houve
modernização das estruturas administrativas, houve uma clara aposta na
digitalização das acessibilidades, na diversificação dos gabinetes que replicaram
em pequena (ou em não tão pequena) escala os corredores de São Bento e até na
maquilhagem e na assessoria de imagem dos autarcas. Portanto, tanto esforço,
tanto sacrifício em prol da população inocente e… no entanto, cada concelho da
região perde um residente por dia. Por mês? Não, por dia.
Confesso pois a admiração
homérica pelos candidatos a autarcas e pelas suas mensagens. Não lhes deve ser nada
fácil transmitir esperança, sonhos e energia perante os factos de tal trágico
silêncio. Encontro aqui duas personagens com lutas e expressões parecidas. A
primeira foi Lord Raglan, no trágico ataque da Brigada Ligeira e as suas
palavras de incentivo aos soldados a caminho do martírio, palavras
imortalizadas pelos Iron Maiden, no tema ‘The trooper’. A segunda é o nosso
adorável Dom Sebastião que, em Alcácer-Quibir, dizia: “Morrer, sim, mas
devagar.” O poeta arménio Vahagn Davtian sintetizou este trágico destino de
Sísifo – por algum motivo, Sísifo foi também a personagem que Torga escolheu
para patrono da nossa região - num verso imortal: “Avançar sempre – chegar
nunca”.
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