Quando trabalhamos em Economia, custa ouvir chamar nomes às
pessoas. Porque, como sabemos em Economia, as pessoas podem errar e
arrependerem-se mas não são estúpidas. Se alguém erra é porque calculou mal
todos os benefícios e custos da sua escolha no momento em que teve de optar.
Vem isto a propósito quando tantos, no rescaldo do passado
26 de maio, insultaram os 70% de eleitores que se abstiveram.
Sou filho de Portugueses que experimentaram o regozijo pelo
direito ao voto universal após 1974. A emoção com que os meus pais – sobretudo
o meu Pai – participavam no momento eleitoral é uma das mais belas imagens que
tenho desses momentos de uma Democracia na sua infância. Assim como certas
imagens podem parecer obscenas para quem idealiza determinados quadros, também
– no lugar de considerar os abstencionistas estúpidos – vejo mais a Abstenção –
apesar de tudo, um Direito do Eleitor numa Democracia baseada na voluntariedade
do voto – como uma obscenidade e não tanto como uma estupidez.
Assim, diversos trabalhos na literatura económica e política
salientam que a Abstenção tem causas individuais, societais e de mercado
político. Se começarmos por estas últimas, as causas podem dividir-se em
‘causas da oferta política’ (como uma má estratégia dos vários partidos, incapacidade
de mobilização, emissão de sinais implícitos contraditórios) mas também causas
da ‘procura’ (como um eleitorado que prefere outro tipo de expressões políticas
para lá das institucionalizadas, que eventualmente poderá considerar até mais
eficazes -como manifestações nas redes sociais, manifestações de rua ou
definição de estratégias alternativas de pressão mais focada e menos
generalistas).
As causas societais
apelam sobretudo a uma visão bayesiana. De acordo com o Teorema de Bayes,
esperamos que a probabilidade da abstenção é composta na maioria pelos
eleitores que se tivessem votado o fariam nos partidos com maior queda. Logo, e
mantendo a visão bayesiana de que abstenção se correlaciona com desinteresse no
foco sufragado, podemos concluir que os eleitores dos partidos que mais
quebraram são sobretudo euro-cépticos, nacionais-conservadores e euro-utilitários.
Isto é, ao contrário doutras realidades onde o extremismo e o populismo
obrigaram a que todos os eleitores se pronunciassem sobre a sua ideia de
Parlamento Europeu, o ‘contentamento descontente’ que os Portugueses vão tendo
leva-os a considerar a Europa num misto de Divindade Exógena ou de Otimismo
Filial.
Finalmente, as causas individuais que, bebendo um pouco das
outras, juntam-lhe um tónico ao abrigo do palato de cada um. Uns não votam
porque está calor, outros porque está frio, outros porque vão à pesca, ao
futebol ou simplesmente porque se esqueceram.
É nestas alturas que recordo Aqueles que nunca falharam
nenhum sufrágio porque o viam como das maiores vitórias das suas vidas. E que
se ainda hoje fossem vivos continuariam a votar como parte da sua respiração.
Ou Aqueles que analfabetos não falhavam o voto debaixo do risco de ser ‘pecado
mortal’ decretado por algum Don Camilo e o seu Pequeno Mundo. Ou Aqueles que
como O’Neill nos recorda "A história do país está cheia de mãos!" Mãos
que – ao longo do poema – constroem, destroem, tocam ou matam. E que votam.
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