terça-feira, 5 de outubro de 2021

O meu voto

1.

Um homem presente, num lugar, exerce só por si uma força enorme! Um homem sentado, um homem de pé, com o olhar sumido algures ou preso além, com o olhar vivo ou mortiço, é sempre uma força enorme! A presença de um homem muda tudo à volta. A presença de um homem e de uma mulher transforma. A presença de vários – desde poucos a muitos – revoluciona. Ainda que mudos. Ainda que presos. Ainda que só respirem. A presença intimida, acolhe, apoia, eleva, humilha, constrói ou paralisa. Por isso, quando voto, voto para que os escolhidos pelo meu voto estejam presentes. Quero-os presentes. Como eu estaria se eles votassem em mim!

 

2.

Em democracia, alguns ficam eleitos mas muitos não. Portanto, podemos pensar que, ainda exista uma base proporcional na distribuição dos lugares, são mais/muitos mais os que não foram eleitos para aquelas funções elegíveis do que os eleitos. Assim, podemos referir que a eleição e a causa focada foram interessantes pois neste jogo das cadeiras os que se sentaram são menos do que os que ficaram de pé. No entanto, as assembleias deliberam e os mandatados executam. Se um pai não educar o filho, quem o educará? Se as Assembleias não regularem a vida comunitária e fiscalizarem os mandatados com funções executivas, como estes poderão ser guiados? A visão crítica corrige, a visão construtiva estimula, a visão política decide. As três são necessárias em todos - sejam eleitos ou não-eleitos. Abster-se de ter voz é pior do que não a ter – pois o que se abstém decidiu desinteressar-se, o outro quebrou o silêncio e assim – como em tantas vezes na História – fez do Mundo algo mais Belo e Melhor!

 

3.

O princípio da maioria (princípio de Condorcet) mostra que muitos a decidir decidem com menos erro. Portanto, um milhão de votantes decide melhor do que dez votantes. No entanto, tal conclusão impera depois de duas assunções – que cada um decida mesmo bem e que decida com a melhor informação. Caso contrário, o voto das maiorias pode levar a decisões terríveis, ao despotismo, ao fanatismo pelo líder, à cegueira, ao atropelo do indivíduo e ao esvaziamento de cada pessoa.

 

4.

O resultado de uma eleição é uma coisa séria. Que não é para miúdos. Miúdos que choram quando perdem, desesperados, ou que são estupidamente insolentes e arrogantes quando ganham. O resultado de uma eleição deve ser respeitado, interpretado e bem compreendido. Quando os outros vão em sentido contrário ao meu, das duas uma – ou eu vou errado ou vão eles. Quando alguns vão em sentido contrário ao nosso, devem ser respeitados. Se calhar não sabem o que nós sabemos e nós não sabemos o que eles sabem. Se calhar aprenderam a conduzir assim e por isso uns entram nas rotundas pela direita enquanto outros pela esquerda. Talvez o código deles seja diferente do nosso. No entanto, do debate de todos, percebemos melhor aquilo que se sabe em conjunto e um pouco melhor aquilo que cada um sabe em particular. Muitas vezes um homem só estava mais correto que uma multidão – desde profetas a visionários. Nalgumas vezes, inclusive, a mesma multidão linchou, calou e evaporou o homem só. Muitas vezes a maioria da multidão decidiu mal. Mas uma coisa a multidão tem de belo – divide a culpa do que correu de mal por mais gente do que quando se decide mal com poucos. Por isso, quando se segue o rebanho, arrisca-se menos quando saímos dele. E no entanto, quando a raposa vai aos galinheiros, caça por último os que dormiram fora do ninho.

 

5.

Portanto, se já decidi a minha caneta e se já decidi o meu voto, sou um homem satisfeito! Porque o dia depois de amanhã não me assusta, não me surpreenderá nem muito menos me inquietará. Desde há milhares de anos que há eleições. Biliões de votos entretanto se dissiparam na espuma dos dias. Braços no ar, vozes expressas, pés batidos, cruzes apostas em madeiras ou no papel, bolas retiradas de tômbolas ou passos dados nalgum sentido – todas estas expressões se dissiparam na espuma dos dias. E o melhor de todas elas é que todos os eleitores voltaram costas com a certeza de que o seu voto foi algo bom. Apesar de etéreo. Apesar de ser um num trilião. Mas foi uma semente que caiu à terra. E isso é sempre algo bom.


 

Sem comentários:

Enviar um comentário